Miniconto | Quinhentas mil estrelas

 

 

― Olha papai, um coelhinho! ― apontou com o dedinho gorducho para o céu.

― Você gosta de coelhinhos, princesa? ― perguntou o pai, fazendo cócegas  no pescoço da filha com a ponta do nariz. 

Ele a carrega no colo, conversando enquanto caminham pela calçada. Todos os dias, no final da tarde, Marcos a pega na creche que fica no mesmo quarteirão da sua casa. 

― Sim, papai. Eles são fofinhos. ― Sofia segurou o rosto do pai com as mãozinhas e olhou fixamente em seus olhos antes de continuar a falar. ― Fofinho como você. 

Marcos beija a bochecha gordinha. Amava tanto sua garotinha! Ela é meiga e muito carinhosa. Ele seria capaz de dar o mundo para ela se pedisse. 

― E o que ele está fazendo? ― olhou para a nuvem que não lembrava em nada um coelho.

― Óh, papai! ― colocou a mãozinha em cima do coração, a boca formando um pequeno o. ― Ele está brincando com o dragão. ― apontou para uma nuvem ao lado do “coelho”.

― Estão se divertindo?

― Papai, você é tão bobo! Não vê o sorriso deles? ― falou, as mãozinhas apoiadas na cintura.

Marcos sorriu, era realmente um bobo quando se tratava da filha. Uma mulher falando ao celular passou pelos dois e espirrou no rosto dele. A sem noção continuou sua conversa divertida e sequer pediu desculpas. Chegaram em casa. Sofia foi tomar banho enquanto Marcos preparava o jantar, aguardando ansiosamente a chegada da esposa.

Cinco dias se passaram. Marcos iniciou o dia com a notícia de que a cidade fora fechada. Todos deveriam permanecer em suas casas, isolados. Tomou um antitérmico, acordou com um mal estar, sentia febre e uma forte dor de cabeça. Também estava tossindo. 

Mais dois dias passaram. Ele, a filha e a esposa, permaneciam isolados em casa. A tosse, febre, dor de cabeça, dor no corpo, pioraram. Não sentia mais cheiro nem o sabor dos alimentos. Sofia sentia falta de olhar as nuvens com o pai. 

Marcos não conseguia respirar e precisou ser internado. Faltava leito na UTI lotada. O hospital estava um caos. Muitas pessoas infectadas. Precisou ser entubado mas não havia anestésico. Não havia oxigênio. Não havia leito. Suzana não podia visitar o marido. Ficaram sem notícias. Dias de desespero. Marcos não resistiu. Foi enterrado com o caixão fechado poucas horas após seu falecimento. 

― Mamãe, quando o papai vem pra casa? ― Choramingou Sofia no colo da mãe. Suzana respondeu com dificuldade.

― Filha, está vendo aquela estrela brilhando lá no céu? ― apontou com o indicador, tentando conter as lágrimas. ― É o seu papai.

― O papai está lá no céu brincando com o dragão?

― Sim, filha. O dragão estava se sentindo muito só. ― falou, a voz embargada.

― Mas quando ele volta, mamãe? Estou com saudade do papai…

Como dizer a uma criança de 6 anos que seu pai não voltará mais para casa? Pensou Suzana, desolada.



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