Miniconto | Tô no poço!

 



Com o coração acelerado, caminho devagar até o centro, tomando cuidado para não tropeçar com minhas pernas moles feito gelatina. Respiro fundo, os olhos presos no chão, sem coragem de olhar para ele. 

Eu confio na Aninha, afinal ela é minha melhor amiga, mas conheço muito bem o seu ar zombeteiro. Ela não teria coragem de me enganar, teria?

― Pronta? ― Aninha pergunta e eu só consigo balançar a cabeça afirmando.

Ela tampa meus olhos com uma das mãos, garantindo que permaneçam fechados durante a brincadeira e posiciona a outra na base da minha coluna, como havíamos combinado. Ouço murmúrios, risadinhas e arrastar dos chinelos. Os meninos precisam trocar de lugar para dificultar ainda mais a brincadeira, não posso saber a localização deles ou tudo perderia o sentido.

― Todos prontos? ― perguntou Aninha e eles responderam um sim empolgado. ― Babi, pode começar!

― Tô no poço! ― sussurrei, respirando fundo, na tentativa de fazer o ar entrar em meus pulmões. Minha respiração acelerada acompanhando o ritmo frenético do meu coração. Agora não tem mais volta, preciso confiar nela.

― Quem lhe tira? ― perguntou Ana.

― Meu bem. ― Minha voz soa um pouco mais alta e sinto minhas bochechas arderem. O momento se aproxima e não sei se estou preparada.

― E quem é seu bem? É esse?

Aninha mantém uma mão firme tapando meus olhos, sinto-a estremecer, mas a mão em minhas costas continua imóvel. Imagino-a apontando com o nariz para um dos meninos em pé, que devem estar um ao lado do outro na minha frente. Espero alguns segundos para responder.

― N-não. ― digo, vacilante.

― É esse? ― Ela aponta para outro e novamente aguardo alguns segundos, esperando o toque combinado que não veio.

― Não. ― respondi, engolindo em seco, um bolo se formando em minha garganta. Meu coração está cada vez mais acelerado, provocando uma dor no peito. Suor se acumula em minhas têmporas.

― É esse?

Nem precisei aguardar para responder, senti a unha pontuda da Aninha quase rasgar minha pele e dei um leve salto antes de choramingar um sim. 

― Aê, sortudo! ― gritaram, empolgados demais com a minha escolha. Será que a Ana cumpriu nosso combinado? Gotas de suor deslizam pelas minhas costas.

― E você vai escolher pera, uva, maçã ou salada mista? ― perguntou antes de tirar a mão dos meus olhos. Um coro de “salada mista” e palmas cortou o silêncio da noite, no cantinho isolado da praça.

― Sa-sa-salada mista. ― gaguejei. 

Ela retira a mão e ao abrir meus olhos encontro duas bolas pretas me encarando brilhantes e o sorriso mais lindo do mundo. Chuchu caminha lentamente e, segurando minha nuca, inclina o corpo, aproximando nossos lábios. A respiração quente roçando minha pele fez meu corpo tremer em expectativa.  Umedeço meus lábios com a língua. Sem aviso ele colou nossas bocas. Foi sob um céu estrelado de primavera que senti pela primeira vez como é doce ser beijada. 



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