Por Thaisa Lima.
O Sonho-pesadelo
Tem noites que deitamos a cabeça no travesseiro e tudo que almejamos é um sono tranquilo, com sonhos fofos e felizes, para acordar no outro dia descansado e pronto para enfrentar mais uma jornada de trabalho. O problema é que nosso cérebro costuma andar na contramão, fazendo sempre o contrário de nossas vontades. Freud provavelmente tem alguma explicação para isso. Eu não tenho, infelizmente.
Bem, ontem a noite esse era o meu intuito. Comi uma pipoquinha enquanto lia alguns capítulos de Doutor Sono do Stephen King esperando o sono chegar. Por volta da meia noite e quarenta, fechei o livro, apaguei as luzes e deitei, confortavelmente, a cabeça no travesseiro, me sentindo aquecida e aconchegada, ao lado de meus cães, cada um no seu cantinho preferido. Fechei os olhos e segundos depois, entrei no mundo de Morfeu.
Tudo começou quando me dirigi ao ponto de ônibus. Era uma noite escura, já um pouco tarde, e o ônibus atrasou. Minha mãe surgiu ao meu lado (provavelmente vindo do além já que ela faleceu há 3 anos), impaciente com a demora e decidiu caminhar até o próximo ponto de ônibus, alegando que o mesmo era perto e que preferia caminhar à esperar algo que nunca chegava. Tentei persuadi-la do feito, falando que poderíamos perder o transporte quando estivéssemos entre um ponto e outro, já que o mesmo não pararia no meio da estrada. Teimosa como é (ou como sempre foi), ela saiu andando, me largando para trás falando sozinha. Boa filha que sou, fui correndo ao encontro dela. Cada vez ficando mais esquisito o lugar que estávamos e jamais deixaria minha mãe correndo perigo, andando sozinha em uma rua quase deserta, a noite.
Quanto mais andávamos, mais deserto ficava, mais longe o outro ponto parecia. Andamos e andamos e andamos e o ponto nunca chegava. O ônibus passou por nós e eu quase chorei de desespero quando ela bateu o pé, sem dar o braço a torcer depois que eu falei “eu te avisei”, e saiu andando ainda mais rápido. Me sentia como uma pessoa perdida no meio do deserto em busca de água. O caminho ficando cada vez mais escuro. O cenário urbano ia ganhando uma cara nova, mais rural, e o asfalto se transformou em estrada de barro. Nosso destino nunca chegava e minha mãe começou a cansar. Foi caminhando mais lentamente até parar, sem conseguir dar um único passo. Nesse momento, um sentimento de urgência me dominou e alguma coisa invisível começou a nos perseguir, me causando um medo pavoroso e uma necessidade angustiante de sair dali correndo. Literalmente. Coloquei minha mãe no colo e corri desembestada mato a dentro. Corri e corri e corri, fugindo da coisa invisível. O corpo de minha mãe transformou-se em uma trouxa de roupas, sem rosto, mas cada vez mais pesada.
De repente me vi em cima de um trilho. Do meu lado direito um morro bem alto, impossível de subir, coberto por uma grama bem verde. Entre o trilho do trem e esse morro, uma vala. Do lado esquerdo um precipício e um campo de algo parecido com trigo ou cana. Entre esse campo e o trilho, outra vala. Eu estava deitada sobre esse trilho, com a barriga virada para o chão, me arrastando, tentando atravessar uma ponte de madeira. Olhei para o céu e a noite, sem lua e sem estrelas, estava escura como breu, me impossibilitando ver um palmo à frente. Não me pergunte como eu conseguia ver o que estava ao meu redor, e não conseguia ver além das primeiras tábuas de madeira da ponte. Não vi mais minha mãe, mas sabia que ela estava deitada, logo atrás de mim. Me arrastei, segurando a primeira tábua e estanquei. O medo me dominou, me paralisando ali, sem conseguir mover um músculo sequer. Um pânico crescente do escuro, da ponte. Algo incontrolável e sem explicação, como se aquela simples ponte de madeira pudesse me engolir. Minha mãe me mandando andar, gritando para eu seguir em frente, apenas em minha mente. Uma buzina cortou o silêncio ensurdecedor. Um trem vindo e vindo e vindo. O trem, que mais parecia um metrô, chegou tão perto que o farol quase me cegou. Meu coração acelerado. O trem se aproximando. O medo paralisante. O trem mais perto. O trem buzinando, a luz do farol me tocando, outra buzina. Pulei na vala. Por um milésimo de segundo não fui atropelada. Ofegante, o barulho angustiante das rodas se chocando com o ferro e o vento que bagunçou os meus cabelos, me aterrorizaram. Ele passou, com sua buzina medonha, único som que cortou aquela noite escura.
Levantei e me agarrei novamente ao trilho, disposta a atravessar a ponte, mas precisei pular novamente na vala para evitar ser morta pelo outro trem que vinha na direção contrária ao outro. Mais esperta, me joguei no vão apertado assim que vi o primeiro feixe de luz, um olho medonho, clareando a estrada. Novamente, me dispus a atravessar correndo a ponte, mas mais uma vez fui impedida.
Um homem apareceu no campo do lado esquerdo. Ele estava todo coberto por uma roupa esquisita, parecia um espantalho. De longe não era tão assustador, até o momento em que ele ateou fogo contra seu próprio corpo e começou a correr pela plantação, queimando tudo no entorno. Comecei a gritar, pedindo ajuda, pedindo para ele parar e se jogar no chão, pedindo para ele não fazer aquilo. Dois homens apareceram para ajudar a tocha humana ambulante e ao tentarem apagar o fogo, foram consumidos pelas labaredas, aumentando ainda mais aquele terrível incêndio que consumiu toda a plantação.
O dia clareou e me vi novamente com minha trouxa-mãe nos braços, descendo um morro tão íngreme e enlameado, que estava quase deitada, com as costas arrastando no chão. Pedi ajuda para o meu irmão adotivo, o Aldo (e aqui eu preciso dizer que ele também está morto. Foi assassinado, anos atrás), implorando para ele me ajudar a não derrubar nossa mãe e o maldito até que ajudou, mas ria da minha cara e do meu desespero em não cair. Coberta de lama dos pés à cabeça, desci o morro aos trancos e barrancos.
Comecei a ouvir um chorinho, e patinhas me arranharam. Acordei, desnorteada, procurando por minha trouxa-mãe. Era minha cadela me chamando, às 5h da manhã, pedindo para que eu abrisse a porta para ela ir fazer xixi. Levantei igual um zumbi, me arrastando pela casa e depois que as 5 ferinhas fizeram suas necessidades, voltamos para a cama. Tudo que eu queria era um restinho de madrugada tranquilo. Voltei a dormir deixando aquelas imagens esquisitas de lado, mas os sonhos continuaram e não foram tranquilos. Dessa vez, eu voei, briguei, fui novamente perseguida e defendi minha casa, meus irmãos e meus gatinhos. Ninguém ameaça meus gatinhos!
Bom, aqueles que forem mais espiritualistas vão dizer que esse sonho tem vários significados; Freud provavelmente tem alguma explicação. Outros dirão que foi culpa da minha leitura antes de dormir. Ainda haverá aqueles que dirão que é uma fuga de minha mente, ou reflexo de todo o estresse diário. Eu não sei o que me levou a ter esse sonho-pesadelo, só sei que acordei com uma TPM desgraçada e uma cólica horrorosa!
Nunca mais comerei pipoca antes de dormir.
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