Crônica | Rota Lisa



 Rota Lisa

Por Thaisa Lima


Portas de banheiro público são uma grande fonte de inspiração. É possível extrair verdadeiras pérolas quando se consegue ignorar os odores sobressalentes de vasos e pisos que não sabem mais o que é água e sabão.

Um belo dia, estava eu, apertada, com a bexiga quase explodindo, depois de longas horas na estrada, desesperada por um banheiro. Pensei em parar no primeiro pé de árvore avistado, mas o medo de ser atacada por insetos foi maior. Nesse dia, fui agraciada pelos deuses protetores dos viajantes, e avistei um posto de gasolina, no momento delirante  de minha mente, já visualizando banheiros químicos no lugar das árvores. Banheiro-químico-árvore. Parei o carro na entrada da loja de conveniências e saí correndo, deixando a porta do carro escancarada. O frentista me olhava assustado, pensando ser um assalto.

Entrei no banheiro, arriei a calça e sentei, sem nem olhar o estado da privada. O líquido quente escorria e no momento de puro êxtase, fechei os olhos, intensificando ainda mais a sensação. Por algum motivo inexplicável, associei o sentimento à ele. Ele a me esperar sorridente. O abraço aconchegante, o beijo doce e sedutor... Enquanto minha bexiga se esvaziava, minha mente se enchia dele. A imagem me provocou um meio sorriso.

Abri os olhos e como numa confirmação do universo, sinalizando que estou percorrendo o caminho certo, deparei-me com o poema mais profundo e sem sentido que já li, rabiscado na porta:

Na rota lisa percorrida da vida,

Você é o Combustível Afogado onde preciso estar.

Para Su.


Anotei e mandei fazer um adesivo. Colei no painel do meu carro.


09/11/2019

Texto produzido na Oficina “Papos híbridos: entre o conto e a crônica”, com Noemi Jaffe. A proposta do exercício era produzir uma crônica híbrida (com algum elemento que nada tenha a ver com crônica); o assunto “Amor” (sem usar palavras que faça referência ao amor); e usar dentro do texto as palavras “Rota lisa” e “Combustível afogado” (sorteio aleatório).


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