Você me devolveu a vida
Thaisa Lima
Fui largado à própria sorte, impotente, num terreno vazio. Lugar isolado, afastado do centro urbano, foi palco durante muito tempo de um picadeiro cheio de vida. Onde antes as risadas das crianças ecoavam, agora só resta um circo escuro e restos de uma lona rasgada. Jogado naquele chão enlameado, eu jurava que havia chegado o meu fim.
Você me encontrou, levada pelos deuses, com o corpo sujo de lama e cheio de feridas. Minha pele esfolada, coberta apenas por um pedaço de plástico rasgado, escondendo os talhos profundos em minha carne, provocados por um ataque de fúria. Ratos caminhavam sobre meu corpo debilitado, e fraco, eu não conseguia impedir as mordidas a me arrancarem pequenos pedaços. Você me encontrou moribundo e me tirou dali.
Os dias se passaram e você se empenhou em me devolver a vida. Descolou de minha pele o plástico derretido, cuidou de minhas feridas, costurou e remendou onde era necessário, usando mãos suaves de uma hábil artesã. As feridas cicatrizaram e o fedor exalado de minhas carnes necrosadas foram sumindo, e apreciei cada dose de carinho dedicados a mim. Seus cuidados fizeram minha aparência melhorar e as pessoas não me olhavam mais com repulsa.
Você me visitava todos os dias. Passou a me contar seus segredos mais profundos, e grato, fui um bom ouvinte. Abracei suas dores, enxuguei suas lágrimas, me alegrei com você. Aproveitei todas as oportunidades para retribuir tudo o que fez por mim. Passei a ansiar por nossos momentos juntos, por seus beijos delicados em minha fronte, seus afagos em meu corpo…
Você me devolveu a vida e hoje sou um caderno apaixonado, desejando nunca deixar de ser o seu querido diário.
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