Festinha
Com seu vestido vermelho sangue tomara que caia, ela deslizava entre as mesas. Estava vestida para matar e sua intenção naquela noite era apenas uma: beijar a maior quantidade de bocas.
Contratou o melhor DJ da cidade, barman e um bufê espetacular. Aquelas pessoas mereciam tudo do bom e do melhor. Sorriu ao ver o salão lotado. Seria uma festa inesquecível!
Caminhou rebolando no ritmo da música em direção ao bar. Queria uma caipirinha.
― Onde pensa que vai, delícia? ― Tomás a segurou pela cintura.
Ela inclinou o corpo, aproximando os lábios dos dele e o beijou com voracidade, deixando o rapaz sem fôlego e sem reação. A ruiva sorriu. Sem proferir uma palavra, pegou um copo com uísque de alguém da mesa e sorveu um longo gole. Tomás recobrou a consciência quando ela retirou da cintura a mão pesada dele e voltou a caminhar requebrando.
― Não foge, ruivinha! ― gritou, mas o som alto abafou sua voz. Ele voltou a interagir com os amigos. Depois falaria com ela.
A dama de vermelho parou em outra mesa e dessa vez provou os lábios de Júlio, o cara mais cobiçado da faculdade. Pegou mais um copo aleatório e tomou um longo gole da bebida dentro dele e seguiu seu caminho. A ruiva fez o mesmo com Ricardo, Caio, Maurício, Danilo, Suzana, Rebeca, Vitor, Alex e tantos outros. Parou de contar em determinado momento e apenas aproveitou a festa dançando e beijando. Iria escolher depois quem terminaria aquela noite em sua cama. Por hora desejava apenas colocar seu plano em prática.
Tomou todos os cuidados para a festinha se manter na clandestinidade, afinal, estava proibido aglomerações e festas neste período de pandemia.
Sua casa tinha isolamento acústico, então o som alto não chamou a atenção dos vizinhos. Bebeu, dançou, se fartou a noite toda com os convidados. Fez questão de chamar todos que estudaram com ela. Por volta das 3h da manhã, as pessoas começaram a ir embora. A maioria muito bêbadas e chapadas. Ficaram apenas Tomás, Suzana e Danilo a pedido dela. Foram os escolhidos para compartilhar sua cama. Os três eram seu alvo desde o momento em que teve a ideia de montar aquela festinha.
― Hora da verdadeira festa! ― falou, a voz doce como o mel.
Os quatro se entregaram ao prazer, compartilhando fluídos em uma orgia que durou o resto da madrugada. De manhã cedo foram embora. Após um banho demorado, jogou-se debaixo dos lençóis e dormiu, sentindo-se leve. Finalmente havia se vingado.
***
G1 – Notícias
Universitária não resiste e morre na UTI por complicações da Covid-19.
Micaela de Freitas se entregou à polícia três dias após festa clandestina em sua casa. A mesma alegou saber que estava infectada com o vírus e não queria morrer sem antes se vingar dos seus agressores. A criminosa não passou os nomes dos convidados. A polícia tenta descobrir quem estava presente para…
Lembrancinha
As pancadas na porta o acordaram. Irritado, Tomás levantou da cama vestindo apenas uma cueca boxer e se arrastou pelo flat, disposto a esmurrar a cara do sem noção que o acordou. Olhou para o relógio no pulso, não fazia nem duas horas que havia pegado no sono e alguém resolveu aparecer. Sua cabeça latejava por conta do excesso de bebida e sexo. Havia passado a noite em uma festinha na casa da Micaela. Faz cinco anos que não se viam e ele não conseguia acreditar como ela se transformou em uma ruiva tão gostosa. Se soubesse que seria assim, a teria tratado diferente no ensino médio. Bom, o que importa é que terminou a noite em sua cama, aproveitando bem o tempo perdido, a fodendo gostoso de todas as formas que sentiu vontade. Esfregou os olhos e sem olhar no olho mágico, abriu uma fresta na porta.
― Desculpa, senhor Tomás. ― falou, sem graça. ― Deixaram essa entrega para o senhor, disseram que era urgente. Liguei pelo interfone, mas o senhor não atendeu, então eu resolvi subir e…
― Ok. ― respondeu ríspido, cortando a fala do porteiro. Puxou o pacote com grosseria das mãos do homem pálido e trêmulo. ― Pode voltar ao seu trabalho.
Fechou a porta na cara do coitado sem agradecer e voltou para a cama, virando o pacote de um lado para o outro. Não tinha remetente, apenas estava escrito “Aos cuidados de Tomás. Apartamento 1121”. Sentou-se recostado nos travesseiros, curioso com o que poderia ser aquilo. Pegou uma tesoura na gaveta da mesinha ao lado e rasgou o plástico. Espiou lá dentro com certo receio e constatou ser um livro. Sorriu, ele era um leitor viciado.
― Quem será que enviou isso? ― puxou o livro do envelope plástico com cuidado, era um exemplar de “Carrie, a estranha” do Stephen King. Franziu o cenho, estranhando a escolha peculiar. Folheou o livro e encontrou um bilhete dentro. Um arrepio percorreu a sua espinha quando leu o que estava escrito.
“Gostou do presente? Não esqueci o que vocês fizeram comigo naquela noite… Ah! E para provar que eu não sou uma pessoa rancorosa, deixei essa lembrancinha para você. O verdadeiro presente te dei ontem. Te vejo no inferno, querido!”
Jogou o livro no chão, perplexo. Sentiu-se tonto e deitou. Sua mente voltou alguns anos para aquela noite e seu corpo estremeceu, um frio deslizando por sua espinha. Do que essa louca estava falando? Estava enjoado. Fechou os olhos e adormeceu sem perceber.
Cinco dias depois ele acordou tossindo, com a cabeça doendo e febre alta.
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R7 – Notícias
O renomado advogado Tomás Loureiro foi entubado nesta manhã. Segundo boletim médico o mesmo se encontra em estado gravíssimo. Família pede orações e segue com campanha na internet incentivando uso de máscaras e pedindo para que permaneçam em casa. A polícia acredita que ele esteve presente na festa clandestina na casa de Micaela de Freitas. Seguem as investigações para descobrir se foi um ato premeditado ou…
Quarentena
Suzana encerrou a ligação, farta do ciúme da namorada. Sua garganta doía, a tosse incomodava. Havia se arrependido de ter transado com Micaela, estava bêbada demais naquele dia e acabou se deixando levar. Justificou que foi apenas uma transa sem importância, mas a verdade é que todos os sentimentos reprimidos no ensino médio, retornaram como um furacão. Amava Camila, mas Micaela foi sua primeira paixão, a mulher que a fez descobrir sua bissexualidade. Na época não entendia seus sentimentos, estava confusa e por isso a odiava. Queria feri-la e acabou aceitando participar daquela brincadeira…
― Dona Suzana, ― chamou Jorge, porteiro do prédio, segurando uma caixa enorme nas mãos. ― acabaram de deixar esse pacote para a senhora.
― Hum… ― franziu o cenho, estranhando. Apenas o porteiro e Camila sabiam que ela estava no escritório. Tinha ido até lá porque não queria discutir novamente com Camila e usou uma desculpa qualquer. Desde o fechamento da cidade, os funcionários trabalham remotamente por causa da pandemia. Seria uma surpresa da namorada? ― Obrigada, seu Jorge. Pode deixar aqui, por favor.
O senhor de bigodes fartos colocou a caixa em cima da mesa e saiu acenando com uma das mãos. Ela analisou o pacote, não havia remetente. Pegou um estilete na gaveta e cortou o papelão. Dentro havia uma caixa menor, presa entre isopores, revestida em um papel estampado com uma floresta sombria. Achou aquilo esquisito, sentiu os pelos dos braços arrepiarem. Deu de ombros e retirou a tampa. Encontrou um frasco com um líquido escuro dentro e ao lado, um envelope vermelho.
Abriu o envelope e sentiu o sangue congelar nas veias quando leu o que estava escrito:
“Você lembra? Eu nunca esqueci do cheiro… Meu presente já se manifestou em você?”
Confusa, abriu o frasco e levou até o nariz. Sentiu o odor ferroso do sangue e vomitou, recordando tudo o que aconteceu naquela noite fatídica, cinco anos atrás. Se desesperou. Precisava fugir. Sem pensar, comprou uma passagem de avião pelo aplicativo e embarcou duas horas depois sem avisar a ninguém. No desembarque, uma mulher baixinha e bem maquiada se aproximou com um termômetro digital em mãos e posicionou em frente a testa dela. Conferiu o visor e, sem dizer nada, olhou para o lado, na direção de um dos seguranças. Um loiro alto se aproximou.
― Me acompanhe, senhora. ― falou em inglês. ― A senhora ficará em quarentena. Não poderá entrar em nosso país.
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G1 – Internacional
Após 40 dias, brasileira continua desaparecida. Camila, a namorada de Suzana Fontes pediu a ajuda da embaixada brasileira nos EUA para localizar a companheira.
A polícia descobriu que ela participou da festa clandestina na casa de Micaela de Freitas e suspeitam que a desaparecida tenha sido infectada, podendo ser mais uma das vítimas do vírus…
Assintomático
― Pô, Danilo! Não quero ver isso, cara. Vão pra água, caralho! ― falou Jonatas, emburrado. O rapaz era o único sem par ali.
Danilo levantou com um sorrisinho cínico nos lábios e arrastou a loira. Mostrando o dedo do meio para o amigo levemente embriagado, entrou na água com ela. No balanço das ondas eles saciaram o desejo dos corpos, protagonizando uma cena digna de um filme pornô.
― Ei, Danilo! ― gritou João, chamando o amigo. Ele carregava um pacote nas mãos.
O moreno largou a mulher no mar e voltou correndo, desabando o corpo pingando na cadeira.
― Que desespero é esse, João? ― falou, debochado e abriu uma garrafa de cerveja, dando um longo gole direto no gargalo.
― Deixaram esse pacote pra você lá na portaria e o entregador disse que era urgente. ― Danilo olhou para o embrulho com o cenho franzido. ― Então eu vim te entregar. ― deu de ombros.
A caixa não tinha remetente, o que só deixou o rapaz mais curioso. Rasgou o papelão grosseiramente e não entendeu o significado do que via. Dentro havia uma corda, um lenço branco e uma pelúcia em formato de coração rasgada ao meio.
― Isso é algum tipo de brincadeira? ― falou para ninguém em específico. Todos pararam o que estavam fazendo e olharam para ele, curiosos. Danilo pegou o bilhete embaixo da corda e a cor sumiu do seu rosto quando leu o conteúdo. O ar ficou preso em seus pulmões, era difícil respirar.
Sem dizer nada, saiu correndo, mas foi parado por policiais assim que pisou no calçadão.
― Danilo da Silveira, você está preso!
***
R7 – Policial
O engenheiro Danilo da Silveira foi preso na tarde de ontem na orla em frente ao seu prédio. A Polícia não divulgou detalhes, apenas informou à imprensa que o mesmo é suspeito de um crime bárbaro cometido cinco anos atrás contra Micaela de Freitas. Foi comprovado que ele participou da festa clandestina na casa da universitária e que o mesmo está com Covid-19, mas é assintomático e seguiu disseminando o vírus para outras pessoas…
Game over
― Delegado, o hospital mandou te entregar isso. ― falou Fragoso, entrando apressado na sala. Colocou o pacote em cima da mesa, em frente ao homem que o encarava com uma sobrancelha levantada. ― São pertences da Micaela de Freitas.
O delegado Gonçalves abriu a caixa. Dentro havia um celular, uma lista com nomes e um papel onde estava escrito “senha: NOITEINFERNAL. Assista ao vídeo.”. Analisou minuciosamente o aparelho enquanto alisava a barba, pensativo. Apertou o botão para ligar, assustando-se com o “Hello Moto” estridente. Desbloqueou o aparelho e encontrou o vídeo.
Policial Fragoso se posicionou atrás da cadeira do chefe, curioso, e ambos viram surgir na tela a imagem de uma mulher magérrima, olhos fundos cercados por olheiras monstruosas, muito pálida e ofegante, em nada lembrava a ruiva estonteante de dias atrás. Vários aparelhos estavam posicionados acima da sua cabeça, apitando sem parar. Recostada nos travesseiros, falava com muita dificuldade, puxando o ar a cada duas palavras proferidas.
― Se você está assistindo a esse vídeo é porque eu morri. ― começou o relato. ― E já que estou morta, revelarei o motivo que me levou a dar aquela festinha.
Ela tossiu descontroladamente. A imagem estremeceu, o foco passou do cadáver falante para o teto. Ela puxava o ar com força fazendo um barulho assustador, um verdadeiro filme de terror. Controlada, posicionou novamente o celular e voltou a falar.
― Durante todo o ensino médio, fui vítima de bullying. Os agressores? Suas supostas vítimas… ― falou, o olhar perdido em lembranças dolorosas. ― Passei por todo tipo de humilhação. Cinco anos atrás, antes da formatura, estranhamente Danilo passou a me defender das agressões e me convidou para o baile. Inocente, acreditei que ele estava interessado em mim. Ele me pegou em casa, dançamos, sorri livremente pela primeira vez. Porém, quando o baile acabou, meu inferno começou. Danilo, todo romântico, me conduziu até o carro. Tudo indicava que iria me beijar. Ele se aproximou, fechei os olhos, ansiosa. Senti sua respiração quente roçar meus lábios. Esperei e no lugar do beijo um pano cobriu meu nariz. Lutei para me soltar, assustada, mas perdi as forças quando uma substância ardente entrou por minhas narinas. Acordei no meio de uma floresta escura, amarrada por cordas em uma árvore. Me debati, chorando muito, aterrorizada. Tomás, Suzana e Danilo sorriam como hienas, zombando do meu sofrimento. Rasgaram minhas roupas e violaram meu corpo com mãos e bocas repulsivas, sem se importar com meus gritos. Quando cansaram daquilo, Suzana despejou um balde cheio de sangue em minha cabeça, sussurrando no meu ouvido que o cheiro iria atrair animais selvagens. ― respirou pesadamente antes de continuar. ― Me deixaram assim, amarrada, pingando sangue, apavorada e foram embora. Quem é a verdadeira vítima dessa história?
O vídeo terminou. Gonçalves e Fragoso se entreolharam, chocados. O delegado ordena: ― Reúna os homens e prenda Danilo da Silveira!
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G1 – Policial
REVIRAVOLTA: Micaela de Freitas é Vítima ou Criminosa?
A polícia investiga crime cometido contra Micaela, cinco anos atrás, e tudo indica que a festinha foi um ato de vingança. Um vídeo enviado para a delegacia revela…
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