Miniconto | Destino

 

 


Miniconto: Destino
Tema: Dia de chuva
Autora: Thaisa Lima

Desço do ônibus e os grossos pingos da chuva molham meu corpo cansado. Me arrasto pela rua, desviando das poças de lama, exausto demais para correr. Meus pés inchados dentro do tênis encharcado latejam e minhas pernas anseiam esticar-se na cama para aliviar a dor por passar uma noite inteira em pé, fazendo a segurança na porta da boate. Estou velho demais para esse trabalho…

Abaixo minha cabeça careca e deixo a água escorrer, a roupa colada ao meu corpo. Estremeço quando a brisa fria lambe meu rosto.

Caminho pela rua de barro com as mãos enfiadas nos bolsos da calça jeans e carrego uma pesada mochila nas costas. Chove forte. Não deveria ter ninguém na rua a essa hora, mas avisto 4 meninos segurando pedaços de pau ao redor de uma poça de lama formando um semicírculo, rindo e batendo na água. Algo chama minha atenção e eu aperto os olhos para enxergar melhor. Vejo uma coisinha se debatendo, tentando fugir desesperadamente. “Será um rato?” Penso. Os pequenos gargalham e um deles bate no animal com um pau, mantendo sua cabeça submersa na água. Os outros seguem o que parece ser o líder e batem mais no bolo de pelos. Eles o soltam, divertindo-se com a tortura e o pobre levanta a cabecinha, espirrando e puxando o ar com força. Ele uiva e só então percebo que é um filhote de cachorro. 

― Parem já com isso, seus moleques! ― grito, correndo em direção ao grupo que me olha com olhos arregalados e fogem antes que eu me aproxime, deixando um cachorrinho semimorto na lama.

Tiro o pequeno às pressas e verifico se a massa inerte ainda continua viva. Só notei que minha respiração estava presa em meus pulmões quando o ar sai com dificuldade, aliviado ao ouvir seus ganidos e o corpinho tremendo sem parar. 

Levo o “ratinho” para casa, dou um banho quente lavando toda a lama, cuido de  suas feridas e alimento-o. Dormimos aconchegados um no outro, o corpinho enrolado em minha barriga enquanto a chuva leva embora nossas dores.

***

Naquela época eu não fazia ideia, mas hoje, 10 anos depois, aquele “ratinho”  foi o responsável por salvar a minha vida, quando, em um momento de distração, eu caí dentro de um poço desativado em um dia de chuva.  

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