O corpinho moribundo caminhava pela pista, alheio ao perigo iminente. Os carros, desviavam como podiam daquele emaranhado de pelos, evitando um acidente e seguiam buzinando, irritados.
Pensei em ajudar, parar os carros e retirá-lo dali, mas estava paralisado, dividido entre o desejo de salvá-lo e o de me jogar na frente de um daqueles veículos como já havia decidido. Eu acompanhava tudo com o coração acelerado, morrendo de medo de presenciar um atropelamento.
Por sorte, a bola marrom cheia de dreadlocks virou para o lado e, com muito custo, passou a arrastar o corpinho pela calçada. Cambaleante, encontrou uma manga, metade das carnes dentro da casca, metade uma meleca gosmenta espalhada pelo chão. Me arrepiei, a imagem me fazendo lembrar da massa encefálica escorrendo por esse mesmo asfalto, dias atrás.
O pobre cão cheirava a fruta, espantando as pequenas moscas e espirrou, retorcendo o focinho de um jeito engraçado. Desistiu de comer aquilo e continuou a cambalear em minha direção. Eu permaneci em pé, segurando o portão semi aberto, sem saber o que fazer. Minha vontade era de salvá-lo, mas meu cérebro repetia o tempo inteiro que aquela não era a minha casa, que a verdadeira dona odeia animais e que agora eu sou um sem teto como ele.
O vira-latas chegou com dificuldade onde eu estava e desmaiou em meus pés. Sem pensar, o peguei no colo não me importando com a lama em seus pelos e corri para dentro com ele. Tinha a impressão dele ser mais pesado, mas era como carregar uma pluma de tão leve. Ele fedia e ao abrir os olhinhos pude ver uma membrana branca cobrindo-os. Era cego. Meu coração afundou no peito.
Devagar, depositei o pequeno no chão e preparei um prato com as sobras do almoço: peito de frango desfiado com arroz. Ao lado coloquei uma tigela com água. Ele comeu tudo em menos de dez segundos e tomou toda a água.
― Não consigo te colocar de volta na rua. ― sussurrei, os olhos cheios de lágrimas. ― Mas o que eu posso fazer? Não tenho como te abrigar aqui. Eu mesmo não tenho mais casa…
Acariciei seu corpinho estendido no chão e ele abanou o rabo. Com dificuldade ergueu a cabecinha e lambeu minha mão. Desatei a chorar, desesperado. Meu celular começou a tocar, olhei no visor e o nome da Duda piscava, um milagre dos céus. Atendi esperançoso, ela é a única pessoa que poderia salvar este cãozinho.
― Eu preciso da sua ajuda. ― falei, sem dar chance dela sequer dizer um olá.
― Resgatou outro cachorro, Ricardo? ― perguntou, zombeteira.
― Sim…
― Você não tem jeito! ― sorriu. ― Traga ele para a clínica e aqui conversamos. ― desligou e eu me apressei em chamar um carro pelo aplicativo.
― Vamos garoto, sem querer você acabou de me salvar.
Respirei fundo deixando de lado a ideia de acabar com a minha vida para salvar aquele pequenino, tão maltratado quanto eu.
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