Ela tinha que se manter muda. Se tentasse abrir a boca, era calada por mãos pesadas contra seu frágil rosto. Ninguém podia saber da sua existência, era o segredinho sujo dele, aprisionada naquele porão. Andava por entre as sombras, proibida de se mostrar. Aprendeu a dar passos leves, caminhando silenciosamente, um fantasma esquecido. Ela foi abandonada por todos que um dia disseram amá-la.
― Vai ser melhor pra você ficar com ele, minha filha… ― falou a mãe, apertando-a em seus braços esqueléticos.
Tinha apenas 12 anos quando partiu, assustada e sem entender direito o que tudo aquilo significava, mas aceitou seu destino em silêncio. Usando um surrado vestido de chita, curto demais para seus 1,40m, despediu-se com lágrimas que deslizavam entre as bochechas sujas de terra. Aquela foi a última vez que viu sua família e descobriu, pouco tempo depois, que fora vendida por alguns trocados, o suficiente para matar a fome de sua mãe e irmãos por um mês. “Valia assim tão pouco?”, pensou e sorriu com tristeza, tomando consciência de que na verdade ela não valia nada, sequer existia, era um segredo trancado no porão, servindo apenas para satisfazer os desejos mais obscuros do seu dono.
Sua alma e seu corpo foram torturados por anos. Aguentou tudo em silêncio, aprendeu da pior forma que obedecer era menos doloroso então permanecia com a boca fechada, uma boneca, sem expressões ou vontades.
Sobrevivia na mudez, em um quarto mofado, claustrofóbico, sem ver a luz do sol. A ausência de som não a perturbava. Ela tinha pavor dos guinchos e gemidos produzidos por ele enquanto a violava; do barulho quando sua mão pesada quebrava seus ossinhos finos; da dor que morria em sua boca tapada...
Um dia seu frágil corpo não suportou mais e ela mergulhou no profundo silêncio, um alívio para a alma torturada. Achou que havia finalmente encontrado a liberdade. Não podia estar mais enganada. O porão asfixiante a transformou no fantasma que fora treinada para ser em vida... E jurou que agora ele pagaria por todos os crimes cometidos naquele inferno silencioso.
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